Prof. Dr. Alexandre Magno Tavares da Silva
Universidade Federal da Paraíba-Brasil
Introdução – Neste artigo pretendemos trazer nossa leitura sobre saberes construídos na participação ativa de adolescentes como sujeitos sociais(Die Kinder als soziale Subjekte), dentro de projetos sócio-comunitários. Esses saberes colaboram na forma como discutem e se posicionam diante dos problemas sociais de seu tempo (comunidade, cidade, estado, região, país), bem como geradores de estratégias para ampliação dos Direitos Humanos (Menschenrechts). Isto só está sendo possível a partir do momento em que educadores e educadoras passaram a olhar esses atores sociais não como indivíduos isolados e passivos dentro da realidade social, mas sim como sujeitos sociais ativos[i], que procuram tomar posições e proposições críticas na vida social, escolar e comunitária. Destacamos ainda os princípios da Pedagogia libertadora e da Educação Popular (Befreiungspädagogik)[ii], que tem referencia no pensamento pedagógico do educador brasileiro Paulo Freire (1921-1997)[iii], enquanto fundamentos educativos em alguns projetos sócio-comunitários.
As mudanças conjunturais e de clima político vivenciadas no Brasil no final de 2015 e início de 2016 pelo governo interino, têm causado uma virada radical na concepção dos Direitos Sociais que estava se construindo no país nas últimas décadas. No relatório do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento no tocante ao panorama brasileiro, destaca que o Brasil conseguiu tirar 29 milhões de pessoas da pobreza no período entre 2003 e 2013. Atualmente, com o governo interino, convivemos com uma grande ameaça aos direitos sociais e o risco de inviabilização e retrocesso em diversas conquistas nas políticas públicas. Enquanto isso, a base social brasileira apresenta uma triste realidade: 2,5 milhões de crianças sem creches; 600 mil sem pré-escola; 460 mil fora do ensino fundamental; e 1,7 milhão de jovens, de 15 a 17 anos, fora do ensino médio e ainda 13,2 milhões de analfabetos, sendo que 54% estão localizados na região nordeste do país. Diante deste quadro entidades, organizações sindicais e dos movimentos sociais populares organizados, tem incentivado mobilizações contra as reformas e ameaças diante dos direitos sociais e sucateamento das políticas publicas[iv]. O esforço será para a construção coletiva e unificada, e participação na construção das ações, pois os retrocessos nas políticas públicas só serão barrados com a mobilização de estudantes, trabalhadores, movimentos sociais, organizações da sociedade civil, sindicatos, movimentos sociais do campo nas ruas. O Brasil, como outros países da América Latina, possui uma longa história de lutas e processos emancipatórios a favor dos Direitos Humanos[v]. Lutas que geraram saberes e aprendizagens em processos participativos interculturais.
Vale destacar, entre os atores sociais envolvidos nesta luta, o papel das crianças, adolescentes e jovens, sobretudo as que se encontram em situação de rua e vulnerabilidade social. Ao longo dos anos 90 no Brasil, passaram a ser tomados enquanto sujeitos sociais ativos, protagonistas também de um projeto político que teve início em meados dos anos 80 através de uma grande mobilização no Brasil na qual crianças, adolescentes e jovens representando várias cidades brasileiras se encontraram em Brasília a fim de discutirem os desafios que envolvem as políticas publicas, identificando as dificuldades e propondo mudanças[vi]. Trinta anos depois, vários direitos conquistados pelas crianças, adolescentes e jovens estão sendo constantemente atacados e suprimidos de forma cruel na atual conjuntura brasileira. Nesse sentido, gostaria de destacar pontos que nas últimas décadas de nossas investigações, tem chamado a nossa atenção quanto à produção de Saberes no processo participativo de crianças e adolescentes nos projetos sócio-comunitários, e suas contribuições no campo da ampliação dos direitos sociais. Estas reflexões surgiram no contexto do nosso trabalho de doutorado na Universidade Johann Wolfgang Goethe – Frankfurt/Alemanha, cujo tema foi a “Produção de saberes e competências pelo Trabalho: a experiência de vida de crianças e adolescentes em situação de pobreza e o trabalho sócio-educativo dentro de Projetos Comunitários em Pernambuco/Brasil”.,[vii] cujo objetivo foi o de analisar as Oficinas de Trabalho existentes em cinco Projetos Comunitários em Pernambuco/Brasil, tomando como referência a produção de Saberes e de Competências de Crianças, adolescentes e jovens em situação de rua e vulnerabilidade social.
Crianças, Adolescentes e Jovens como sujeitos ativos – A vida das crianças e dos adolescentes, no nordeste brasileiro, é marcada profundamente por uma situação de pobreza, que atinge principalmente as áreas da saúde, da moradia, da educação e do trabalho. Diante dessas condições, várias iniciativas foram estruturadas, na tentativa enfrentar propositivamente esses problemas. Estas respostas nasceram dentro de contextos específicos, entre eles os Projetos Sócio-comunitários, nos quais a partir da visão, da interpretação e da intervenção sobre as condições de vida das crianças e adolescentes, foram formuladas as ideias orientadoras do trabalho sócioeducativo. Para a concretização dessas ideias, foi importante a colaboração do pensamento de Paulo Freire, em, a partir da prática pensar e elaborar o trabalho sócio-educativo. Nos projetos sócio-comunitários, as chamadas Oficinas de Trabalho (nomes) possibilitam a expressão de Saberes que possuem algumas dimensões, entre elas citamos: a) A HUMANITÁRIA (afirmativa do Ser); b) A COMUNITÁRIA (partindo das tradições e criatividades culturais do grupo do qual participam); c) A EDUCATIVA (descobrir-se que se aprende e o aperfeiçoamento deste aprendizado para a satisfação das próprias necessidades e as de seu grupo); d) A CULTURAL (o trabalho artesanal como formador de uma cultura crítica); e) A FORMATIVA (as crianças e adolescentes enquanto serem em desenvolvimento); f) A SOCIAL (o sentido do enfrentamento das situações de marginalização); g) A POLÍTICA (crítica às formas de organização de um trabalho explorado, tomando como referência um domínio sobre o processo de trabalho).
Alguns saberes e as competências produzidas pelas crianças e adolescentes no processo participativo dentro das Oficinas nos Projetos Comunitários podem ser expressos da seguinte forma:
- Poder, através de seu trabalho, conhecer melhor a sua comunidade em suas manifestações culturais, no cotidiano da população, nos trabalhos de mobilização popular (Ex: os meninos e meninas padeiros que, ao mesmo tempo, participam da cultura da pesca com suas famílias);
- Organizar com o/a educador/a as atividades num caráter e clima cooperativo;
- Necessitar da discussão coletiva sobre os problemas;
- Projetar possibilidades de como dar continuidade ao processo de trabalho pós-Oficina de Trabalho (Ex: estruturação de oficinas de marcenaria popular);
- Incentivar a capacidade do aprendiz de se colocar como sujeito diante do educador, à medida em que vai dominando o processo de trabalho (Ex.: os momentos de desentendimento entre educadores e meninos/as nas oficinas de vassouraria, padaria);
- Sentir, através do processo de problematização do trabalho, a necessidade de intercambiar experiências de vida com outros meninos e meninas, procurando relacionar o cotidiano dentro da oficina, com questões ligadas ao trabalho, à escola e à educação escolar (Ex: realização de encontros de meninos e meninas trabalhadores);
- Desenvolver a capacidade de se expressar, expor ideias, criticar o processo do trabalho (Ex.: as reuniões semanais realizadas nas oficinas de padaria vassouraria marcenaria).
Os saberes acima foram também identificados a partir da leitura que realizamos entre o cotidiano do Projeto Sócio-Comunitário e o contexto no qual estão situados, nesse sentido, são os seguintes aspectos do contexto nos quais nos apoiamos na identificação dos saberes construídos pelos adolescentes:
- Visualização nas lutas comunitárias as participações das crianças e adolescentes em torno de seus problemas, da comunidade e da proposta de trabalho dentro do projeto comunitário;
- Atenção ao processo histórico da construção da comunidade local pelas tradições culturais das formas comunitárias de organização do trabalho;
- Atenção às formas de trabalho familiar e da participação de crianças e adolescentes;
- Identificação nas reuniões comunitárias com moradores, do significado social da Oficina de Trabalho na melhoria da qualidade de vida no local em que está localizado;
- A experiência de vida dos educandos e em que medida são levados em consideração na composição do conteúdo do trabalho pedagógico dentro das oficinas;
- Engajamento de projetos e educadores em Movimentos Pastorais Populares (Comunidades Eclesiais de Base, Movimentos Populares etc;
- Implicações da realidade sócio-econômica local na vida das crianças e dos adolescentes e na forma de organização do trabalho sócio-educativo;
- Resgate no processo histórico, as expressões culturais do nordeste brasileiro influenciando na forma de como no nordestino explica, representa e age em torno de sua realidade;
- Visualização e discussão junto aos coordenadores e educadores sobre o entendimento da categoria criança e adolescente para o Projeto Comunitário;
- A elaboração dos objetivos do trabalho a identificação do projeto comunitário querer ser um espaço de vivência de uma educação popular;
A identificação que as crianças e adolescentes fazem de seus saberes e competências e a discussão sobre os mesmos dentro do espaço das Oficinas de Trabalho [quais os saberes e como foram produzidos, as dimensões que eles envolvem] podem impulsionar estes sujeitos à necessidade do SABER MAIS, de estarem inseridos no Munndo e alterando este mundo através de suas ações[viii]; ou seja, de no processo de se dar conta [tanto por parte dos educadores como de crianças e adolescentes] da existência desses saberes, elaborar um esquema que possibilita visualizar suas implicações em outros espaços [no próprio projeto comunitário, na escola, no trabalho e na sociedade.
Processo participativo de produção de saberes de adolescentes e ampliação dos direitos humanos a educação – Tendo em vista que, ao discutir sobre saberes e competências produzidos por adolescentes em atividades de trabalho, somos levados também a considerar as relações que podem ser estabelecidas junto a outras instituições que lidam com os saberes, entre elas a escola pública; podemos nesse sentido nos perguntar: Como esta experiência das crianças e dos adolescentes dentro dos projetos comunitários, na experimentação de uma postura como sujeitos sociais através da produção de saberes e competências através do trabalho, pode gerar contribuições para a escola e para a educação escolar? Como transferir estas experiências (os saberes), para dentro do espaço escolar, a partir do que vem ocorrendo dentro dos chamados espaços alternativos de educação? Podemos nos perguntar também em que medida estas experiência podem colaborar no apontamento de aspectos para a ampliação dos direitos humanos a educação?
Sabemos que o Direito a Educação para todas as crianças no Brasil, tem a ver com a luta contra a exploração, marginalização, pobreza, desemprego, etc.. Projetos Sociais com princípios da Pedagogia da Libertação (Paulo Freire), mesmo com grandes dificuldades geradas pela conjuntura atual,[ix] estão experimentando a partilha de saberes e proposição de alternativas para a garantia dos direitos: Oficinas, Seminários, Exposições. Demonstração nas ruas, Crianças, adolescentes, educadores e educadoras vão conhecendo, interpretando e comunitariamente intervindo na realidade social. Por isso, a participação ativa das crianças e adolescentes, sobretudo em situação de rua e vulnerabilidade social, é imprescindível no processo de ampliação dos direitos a educação tornasse importante. Por isso, no momento, estamos incentivando a partilha de saberes e ensaio de alternativas, no campo da pedagogia crítica, [x] no sentido de construir estratégias coletivas para colaborar na ampliação dos direitos humanos.
Literatura
DÜCKER, Uwer von. In extremer Armut, in extremem Reichtum und auf der Straße lebende und arbeitende Kinder bei Entwicklung eigenständiger Kulturmerkmale. In: Dewes, Jürgen; Holm, Karin. Neue Methoden der Arbeit mit Armen. Frankfurt: IKO Verlag, 1996
FREIRE, Paulo. Pedagogía del Oprimido, 8a ed., Buenos Ayres: Siglo Veintuno, 1973.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 10ª. Ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1981.
FREIRE, Paulo. Política e Educação, 5ª ed., São Paulo: Cortez, 2001.
LIEBEL, Manfred. Kinderbewegungen in Lateinamerika. In: Dewes, Jürgen; Holm, Karin. Neue Methoden der Arbeit mit Armen. Frankfurt: IKO Verlag, 1996
LIEBEL, Manfred. Wir sind die Geenwart: Kinderarbeit und Kinderbewegungen in Lateinamerika, Frankfurt/M: Verl. Fur Interkulturelle Kommunikation, 1994
STRECK, Danilo R. Fontes da pedagogia latino-americana: uma ontologia. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2010.
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[i] „… Kinder nicht als Objekte (von Fürsorge), sondern als soziale Subjekte, die selber eine aktive Rolle bei der Bewältigung der Problemlagen Ubernehmen“. (LIEBEL, Manfred, 1994-22). Podemos ainda destacar os seguintes pensadores nesta temática:
[ii] Als Befreiungspädagogik wird eine herrschaftskritische Theorie der Erziehung und Bildung von Kindern und Jugendlichen bezeichnet.
[iii] “desafiados pela dramaticidade da hora atual, se propõem, a si mesmos, como problema. Descobrem que pouco sabem de si, de seu “posto no cosmos”, e se inquietam por saber mais” (FREIRE, 1981-29).
[iv] No dia 31 de março está sendo convocado uma grande demonstração de protesto em todo o Brasil contra as atitudes do governo interino.
[v] Para este estudo interessante a obra de STRECK, 2010.
[vi] Esta luta em muito contribuiu para a promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescentes nos anos 90.
[vii] Em alemão – “Wissensproduktion und Kompetenzerwerb durch Arbeit: Lebenserfahrung von Kindern und Jugendlichen in Armut und erzieherische Maßnahmen in Bildungsprojekten in Pernambuco/Brasilien.
[viii] “Descubro ahora que no hay mundo sin hombre… como no hay hombres sin mundo, sin realidad, el movimiento parte de las relaciones hombres-mundo.” (FREIRE, Paulo. 1970-93-97) – “Não nasci… Vim me tornando” (PolEd., 1993::87).
[ix] Impactos da conjuntura atual nos projetos com a redução de recursos e falta de prioridade dos governos para com as crianças, adolescentes e jovens, especialmente os que se encontram em situação de rua e vulnerabilidade social.
[x] Entre esses ensaios podemos ter: pequenos seminários, oficinas, rodas de conversa com universidades, movimentos sociais populares, ONGs, etc. sobre as contribuições de cada experiência em torno da ampliação dos Direitos Humanos para a Educação.