“Pensamentos e Recomendações sobre a Extensão dos Direitos da Educação na Declaração dos Direitos Humanos da ONU”
Joaquim Santos
Secretário Nacional da FNE – abril 2017
A convite de Zeynel Korkmaz
Editor Chefe da revista alemã em língua turca “PoliTeknik”
Contribuição da FNE – Portugal
No próximo dia 10 de dezembro de 2018 o mundo celebra o 70º aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada e proclamada pela resolução 217 A (III) da Assembleia Geral das Nações Unidas.
O “direito à educação” foi aqui reconhecido pela primeira vez no plano universal, no seu Artigo 26, responsabilizando em primeiro lugar as famílias, mas cabendo a principal responsabilidade pela sua satisfação aos Estados, cujas obrigações se resumem à disponibilidade, acessibilidade, qualidade e equidade.
Três anos após o fim da Segunda Guerra Mundial, a resolução de 1948 veio trazer a esperança ao renascimento de uma civilização que lutava por sair dos escombros e da indignidade humana.
Quase 70 anos depois o mundo deu muitas reviravoltas, vencendo muitos obstáculos e muros, mas vendo-se forçado a enfrentar outros, por vezes de índole a um só tempo tão diversos e tão dolorosos para a Humanidade. No entanto, hoje como então a Educação continua no centro das atenções de todos, como instrumento e meio de desenvolvimento económico, político, social e individual, do nível local até ao nível global.
São múltiplos os desafios com que uma Educação Pública, de Qualidade e gratuita para todos se debate no mundo inteiro: são os conflitos étnicos, raciais, religiosos, sexuais ou de género; é a problemática global das migrações e da obrigatoriedade de milhões de refugiados se deslocarem para longe dos seus lares de origem ficando sem nada e sem coisa nenhuma; é a
proliferação de diversas formas de extremismo e populismo, que retiram a dignidade ao ser humano.
Por outro lado, os ataques a uma Educação Pública equitativa e de qualidade veem de grandes multinacionais, operando sob diferentes nomes, através de formas várias de comercialização e mercantilização que apenas visam o lucro fácil, promovendo assimetrias, desigualdades, injustiças e atentados a condições de trabalho e de vida dignos, tanto a alunos e famílias, como a professores, escolas e comunidades educativas.
Para a FNE, olhar a Educação como uma simples mercadoria ou um produto de mercearia ou supermercado é pura e simplesmente a morte de todos os Direitos.
Quando hoje pensamos nos direitos à Educação veem-nos logo à memória cenários e narrativas da Síria, da Chechénia, as raparigas de Chibok, na Nigéria ou as grandes intromissões da chamada Indústria da Educação em vários países de África, semeando e espalhando desigualdades e ataques, sem piedade, à condição docente e não docente nessas paragens.
No entanto, a FNE em Portugal faz da luta por uma Escola Pública de Qualidade e Equitativa Para Todos a sua principal prioridade. Diria mesmo que esta é a Mãe de todas as prioridades em Educação no mundo inteiro. E fico muito contente quando colegas meus sindicalistas e ativistas da educação dos quatro cantos do planeta dedicam grande parte do seu trabalho em prol desta luta – seja no Quénia, no Brasil, na Tanzânia, na Colômbia ou nos Estados Unidos da América.
É sempre nosso dever lembrarmos a mensagem de Malala Yousafzai quando ela afirma, peremptoriamente, que uma criança, um professor, uma caneta e um livro podem mudar o mundo. Sabemos que milhões de pessoas sofrem pela falta de acesso ao emprego, à educação, saúde, segurança social, alimentação, habitação, água e várias outras necessidades básicas. Muitos outros milhões jamais se depararam com o direito à não discriminação, por pertencerem a grupos marginalizados ou a minorias.
No meu país há ainda 500 mil analfabetos, milhares de crianças, adultos e famílias vivem abaixo do limiar de pobreza e o governo defronta grandes desafios no que respeita aos direitos de pessoas com deficiências, com doenças mentais e com vítimas de violência doméstica.
Ora, o direito a uma Educação de qualidade implica o direito a uma saúde e a uma nutrição dignas, a um respeito total pela pessoa humana, em todas as suas exigências e necessidades. Implica ainda que professores e não docentes sejam respeitados e valorizados por todos e tenham condições de trabalho e de carreira dignos.
Determinar o objeto do direito à educação é responder, essencialmente, a três questões: aprender para quê?, aprender o quê? e como aprender?
A resposta à primeira pergunta tem que ver com um desenvolvimento livre, pleno e harmonioso da personalidade humana e do sentido da sua dignidade, com a adesão à ética dos Direitos Humanos e a outros valores morais e culturais compatíveis com o seu respeito e à preparação para uma vida autónoma e responsável, numa sociedade e num mundo livres.
A resposta à segunda questão exige as aprendizagens principais que o direito à educação deve garantir.
No como aprender?, o direito à educação leva-nos às duas principais instituições da educação nas sociedades contemporâneas, que são as famílias e as escolas e ainda à responsabilidade da comunidade internacional.
Como já frisaram muitas vozes, de 1948 até aos nossos dias, o direito à educação é um direito novo a uma educação nova, um direito não só da família e do Estado, mas um direito de todo o ser humano, independentemente da sua idade, origem, credo, crenças ou circunstâncias.
Por outras palavras, o direito à educação é um novo paradigma, tal como enunciou o Diretor-Geral da Unesco no seu discurso inaugural da 47 ª Sessão da Conferência Internacional da Educação, reunida em Genebra, em 2004: Sinto que está em curso uma subtil mudança de paradigma.
No entanto, o mundo foi palco de grandes transformações nos últimos anos, que nos obrigam a buscar novas conceções para os sistemas de educação e a ajustar as nossas vidas aos desafios da 4ª Revolução Industrial.
Falamos naturalmente da globalização, da digitalização, da robótica, da cavalgada de ideologias neoliberais que subjugam o ser humano às virtudes do lucro, da necessidade de optarmos por Objetivos de Desenvolvimento Sustentável ou da obrigatoriedade de repensarmos a educação como Direito Humano e bem público global.
Como sublinha o português A. Reis Monteiro na sua recente obra Uma Teoria da Educação [i]: O direito à educação é um novo paradigma cujo alcance revolucionário pode ser resumido nesta metáfora coperniciana: A educação já não deve estar centrada na terra dos adultos nem no sol da infância, mas antes ser projetada no universo dos direitos humanos onde não há maiores nem menores, pais nem mães e filhos nem filhas, professores ou professoras nem alunos ou alunas, mas pessoas iguais em dignidade e direitos.
Assim sendo, remata o autor, a razão pedagógica já não é a razão biológica da Família, nem a razão política do Estado, mas a razão ética do Sujeito, que limita tanto a arbitrariedade familiar como a omnipotência estatal.
Na visão da FNE, este triângulo jamais poderá ser equilátero. A razão ética do Sujeito tem que prevalecer sobre os desequilíbrios, incapacidades e impossibilidades gerados pela Família e pelo Estado. Este tem que ser, necessariamente, o ponto de partida para qualquer pensamento ou recomendação sobre a extensão dos Direitos da Educação à Declaração dos Direitos Humanos da ONU.
[i] MONTEIRO, A.R. (2017). Uma Teoria da Educação, Coleção Horizontes Pedagógicos / 181, Edições Piaget, 2017, p. 269